domingo, 30 de outubro de 2016

Nem o Carlos Lopes sabia da contratação de Nelson Évora"

Pela primeira vez, um dirigente do Sporting descreve como foi contratado Nelson Évora. O dirigente aborda o interesse em Telma Monteiro, deixa críticas ao ciclismo e anuncia que quer ser campeão em hóquei, andebol, futsal e atletismo. Se algum falhar, assume, será uma desilusão
De quem foi a ideia de contratar Nelson Évora?
Não houve uma ideia propriamente dita. Conheço-o há muitos anos, estivemos em Pequim 2008...
Aí, as coisas não terminaram bem na relação com o Nelson Évora devido ao facto de Marco Fortes ter regressado mais cedo a Lisboa.
Isso são episódios que acontecem. O Marco Fortes está cá. Ninguém acreditou mas continuo a dizer que o Marco não foi mandado regressar a Lisboa. Estava previsto. Pediu para ficar, mas não era possível.
Nelson Évora disse que o senhor tinha sido "uma vergonha".
Já passaram oito anos, basta confirmar no relatório do chefe de missão que foi assim como estou a dizer. Isso está ultrapassado.
Como se desenrolou a contratação de Nelson Évora?
Acompanhamos as notícias e era evidente, de há um mês a esta parte, que havia alguma coisa. Ele afastou-se do seu treinador de sempre, João Ganço. Havia algo a mudar e isso tinha que ver com a sua assistência de carácter técnico e também com o resto. Vou recuar. Há quase quatro anos, quando fomos eleitos, tinha a ilusão de que podia nas modalidades fazer um bocadinho melhor do que algumas pessoas noutros clubes. Aqui era difícil porque vim substituir Moniz Pereira. Quando cheguei, o Sporting tinha dificuldades financeiras. As modalidades, com exceção do futsal, viviam a meio gás. Era preciso mudar. Começou a ser possível quando o presidente fez a reestruturação financeira. Os bancos não acreditavam neste conselho diretivo, consideravam o presidente muito novo mas verificaram que tínhamos condições. Isso facilitou a reestruturação e as modalidades alcançaram estabilidade financeira. Houve outra mudança que foi a quotização.
Passou toda para o clube...
Agora sim, a 100%. Mas quando entrámos só tínhamos direito a 40%.
Estamos a falar de quanto anualmente? Sete, oito milhões?
Mais. As modalidades estão a correr melhor do que previ, mas o futebol é o alfa e o ómega do clube. Se as coisas correrem bem no futebol temos mais gente a pagar quotas...
Quanto é o orçamento total para as modalidades?
Ronda os dez milhões de euros. No ano passado já fizemos algum investimento no atletismo, no andebol, etc. Mesmo no atletismo fizemos escolhas. Com o orçamento que tínhamos não dava para sermos fortes nas mulheres e nos homens. Decidimos ficar com as senhoras e dispensar atletas masculinos. Fomos campeões nacionais e europeus de atletismo feminino. Percebemos que este é o caminho a seguir desde que haja dinheiro. Reunimos e encontrámos mais algum: 2,8 milhões. Com esta verba é possível fazer triagem. O andebol ainda só perdeu um jogo, o hóquei nenhum. E perguntámos como seria no atletismo. Decidimos apostar nos homens para ganhar este ano a nível nacional e em 2018 a nível europeu em femininos e masculinos. Vimos as pontuações que precisávamos. Fez-se um estudo e a partir daí...
Chegou-se a Nelson Évora.
Sabíamos pelas notícias que algo se passava. Mas há outra situação: precisávamos de condições. Fizemos um gabinete olímpico e para o dirigir fomos buscar a ex-atleta Sílvia Saiote. Finalmente, era necessária uma unidade de apoio médico que, segundo o presidente, é melhor do que a do futebol. Agora temos todas as condições. Veja, temos uma sala com magníficas condições de receção e esperamos, de braços abertos, que as pessoas venham ou não. E elas começaram a aparecer.
Quem se lembrou de Nelson Évora e quanto tempo demoraram as negociações?
A ideia foi das três pessoas envolvidas nisto: eu, o presidente e o Rui Caeiro, vogal do conselho diretivo. Mais ninguém sabia.
Carlos Lopes, responsável máximo do atletismo, não sabia?
Nem o Carlos Lopes sabia.
Quanto tempo guardaram segredo?
15 dias e foi guardado até à hora da apresentação.
Duas semanas antes da sua apresentação no Sporting-Tondela o Nelson Évora estava contratado?
Não, estava-se a negociar.
Como reagiu Nelson Évora quando foi abordado pelo Sporting?
Ele já tinha dado sinais de descontentamento. Mudou de treinador, foi para Espanha... portanto, pensámos, já agora completa a mudança.
Há quem compare a contratação do Nelson Évora à de um futebolista.
Disparate.
É verdade que teve direito a um prémio de assinatura de 50 mil euros e que o Sporting lhe paga 10 mil euros por mês?
Isso são tudo especulações.
Mas ganha menos?
Se estou a dizer que é especulativo é porque ganha menos.
Luís Filipe Vieira disse a propósito de Nelson Évora que não podia pagar 200 mil euros anuais a um atleta.
O Sporting também não. Fracassos de gestão não se explicam com esse tipo de afirmações.
Nelson Évora já disse que era um atleta livre antes de se vincular ao Sporting. O Benfica alega que tinha opção por mais um ano.
Isso é mais uma ilusão.
Mas estava livre ou não?
Claro. Tenho cópia do contrato dele com o Benfica. E num dos artigos diz mais ou menos isto: o Benfica terá o direito de renovar desde que isso seja o desejo de ambas as partes. Houve uma parte que não quis. O contrato está bem feito.
O Sporting está tranquilo?
Não tem problema nenhum. As pessoas não perceberam que isto é a lei do mercado. Não era normal, o Sporting estava enfraquecido.
Com Nelson Évora quer ser campeão nacional mas a sua contratação também visa Tóquio 2020?
O Nelson traz com ele, além do prestígio pessoal e do valor como homem, três possibilidades: ajudar o Sporting na conquista do campeonato nacional, conquista de um Europeu, de clubes e de seleção, e é uma aposta importante em Tóquio. Só vejo vantagens para o Sporting.
Será uma desilusão se não forem?
Claro que sim.
Então o atletismo do Sporting tem como ambição ganhar tudo?
É para ganhar masculinos e femininos coletivamente.
Em 2014, ao DN, disse: "Há um acordo tácito e tem funcionado, principalmente com o Benfica. Se o atleta quer sair, não nos opomos." Este pacto mantém-se?
Não me pergunte isso a mim. O Rui Silva saiu do Sporting para o Benfica antes do Nelson Évora.
Foi o Benfica que começou?
Isso é evidente. Há quanto tempo está lá o Rui Silva? Ele foi-se embora, não foi? O Rui esteve cá 17 anos. Depois disse que ia para o Benfica. Se há uma quebra desse pacto não tem de me perguntar a mim. Se isso aconteceu, e está provado, porque tenho de respeitar algo que mais ninguém respeita? Só se fosse tolinho.
Então considera que esta guerra não foi iniciada pelo Sporting?
Não, não foi o Sporting que começou. Por outro lado, eu não fui bater à porta a ninguém. Nós criámos um nível de acolhimento muito bom. E os atletas que estão no Benfica sabem que o Sporting mudou.
Vieram bater à porta do Sporting?
Grande parte ou na totalidade. Não posso dizer que não houve nenhum que não tivéssemos sido nós a falar. O meu telefone tem tocado... pessoas que nem conheço pessoalmente. Criámos as condições e ficámos à espera. Estou aqui como um Cristo-Rei, de braços abertos para todos os excelentes atletas que queiram vir para o Sporting.
Houve alguma proposta ou conversa com Telma Monteiro sobre um possível ingresso no Sporting?
Nunca telefonei à Telma nem lhe passei qualquer proposta. Fez-se constar à Telma que estaríamos interessados, eventualmente, em estudar a hipótese de ela reforçar o Sporting. E depois ficámos de braços abertos à espera que ela desse um sinal. Não deu, paciência. Que seja muito feliz no Benfica. É uma excelente atleta e gosto muito dela.
Mas quem fez constar?
Já disse que estou aqui de braços abertos. Alguém poderá ter feito constar isso no judo.
Luís Filipe Vieira disse que a Telma tinha recebido uma proposta irreal para o panorama nacional.
Irreais são essas declarações e só se entendem num processo eleitoral.
A Telma Monteiro teve noção de quanto o Sporting lhe oferecia?
Negativo. Nunca se discutiram valores aqui no Sporting sobre essa matéria. Se isso nunca foi discutido entre mim, o presidente e o Rui Caeiro... se alguém falou fê-lo sem capacidade para tal.
O Sporting reforçou-se bastante no hóquei em patins e no andebol. O objetivo assumido é o título nacional?
O objetivo é sermos campeões em hóquei em patins, andebol, futsal e atletismo masculino e feminino.
Será uma frustração se estes objetivos não forem cumpridos?
Para mim será uma desilusão se não formos campeões nacionais nestas quatro modalidades.
Como é a sua relação com Bruno de Carvalho? Houve um momento agitado depois de a parceria no ciclismo com a W52 ter falhado?
Não. Nessa altura fui iludido. Quando só faltava assinar recebemos telefonemas importantes, que não posso revelar. Senti que podia meter o clube numa situação complicada.
Pensou demitir-se?
Tive o enfarte a 15 de dezembro, no dia do jantar do Comité Olímpico. Nem jantei porque me sentia mal e à entrada falei sobre o ciclismo. Isto para explicar que não houve oportunidade de o presidente me dizer que tinha arranjado um sarilho.
Porque não avançou a parceria com a W52, que acabaria por se associar ao FC Porto?
Felizmente parámos o processo a tempo, podia ter trazido graves consequências.
Quem toma a decisão da quebra?
O Sporting. Fomos alertados... E a W52, ao perceberem que havia hesitações, comprometeram-se com o FC Porto. Foram hábeis.
O Sporting fez uma proposta a Gustavo Veloso, recusada pelo ciclista do FC Porto. O investimento vai aumentar no ciclismo?
Queríamos que a equipa fosse mais forte, ficámos desiludidos com a participação na Volta a Portugal. É melindroso falar de assuntos que rodeiam o ciclismo. Há coisas que não compreendo.
Está a falar de quê?
Não percebo como um rolador nato se mostra um grande trepador.
Está a falar de doping?
Não estou a acusar ninguém. Mas que há coisas que a mim, que sou um leigo, me causam estranheza... isso há. Se fazemos uma equipa para disputar uma competição 100% limpa é uma coisa. Quem investe mais, tem melhores atletas e mais hipóteses de ganhar. Se duvidamos disso não é por aí que resolvemos o problema.
O ciclismo português não é limpo?
Tenho dúvidas sobre certas prestações.
Quer nomear?
Não, não quero.
Perante essas dúvidas, o que vai fazer o Sporting ?
Manter o investimento.
200 mil euros anuais?
Não estou autorizado a dizer, mas são valores relativamente baixos.
Qual é a modalidade do seu pelouro com mais orçamento?
Isso é fácil de dizer.
O futsal?
Claro.
E depois vem o atletismo?
Ainda não. O andebol e o hóquei.
Acha que Moniz Pereira ficaria satisfeito por ver o Sporting apostar tanto nas modalidades?
Com certeza, como ficou, em vida, quando viu pela primeira vez uma equipa do Sporting ganhar um campeonato europeu feminino. Isso deu-lhe a tranquilidade que ele não tinha nos primeiros tempos desta equipa diretiva. O que estamos a fazer respeita a sua memória.
Que balanço faz do mandato de José Manuel Constantino, seu sucessor à frente do Comité Olímpico de Portugal?
Não quero entrar nessa apreciação. Tem feito um bom trabalho e não diria mais nada.

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