sábado, 30 de agosto de 2014

Carlos Pinhão


Algures em “A Queda”, Albert Camus escreve que quando formos todos culpados, será a democracia.
O Carlos, a propósito dos exageros jornalísticos que rodearam o jogo entre a Bósnia e Portugal, lembrou aqui, um caso ocorrido em 1965. Após o jogo Benfica-Real Madrid, o “Mundo Desportivo” titulava a toda a largura da 1ª página: “O “Vale dos Caídos” mudou-se para Lisboa.”
Lido, hoje, o título revela mau gosto, comparação abusiva e sem necessidade, mas não anda muito longe das águas de esgoto aberto em que o jornalismo português se banha. 
Mas naquele tempo Portugal e Espanha viviam em ditadura. E, em Portugal, a leitura desse título teve leituras várias, dependendo dos olhos que o leram. Ainda recorda a satisfação do avô, benfiquista e republicano histórico”, a entrar em casa com os olhos brilhantes de satisfação. E motivo não era apenas a vitória do clube… 
A crónica do jogo abria assim:
“Não foi realmente a batalha de Aljubarrota. Nem tão pouco a de Valverde, ou qualquer outra em que os espanhóis e os portugueses tivessem escrito páginas gloriosas da sua história. Mas foi bonito assistir-se à vitória do futebol sobre o do Real Madrid.”
Mas o que fez explodir Franco foi o título, ao fazer a associação com o monumento que, nos arredores, de Madrid glorificava os mortos franquistas da Guerra Civil Espanhola, os nossos vizinhos entenderam que se tinha ido longe demais. Recorde-se que o monumento apenas pretende recordar ima parte dos espanhóis mortos na Guerra Civil... 
Protesto veemente e Salazar teve que encontrar, em nome da defesa da boa harmonia entre as duas ditaduras, uma reparação. Num ápice despediram o jornalista José Valente e o “Mundo Desportivo”só reapareceu ao público oito dias depois, falhando duas edições. Naquele tempo os jornais desportivos eram trissemanários.
No dia 5 de Março, quando o jornal voltou a ser publicado, lia-se na 1ª página:
“A Empresa Nacional de Publicidade e o director do “Mundo Desportivo” lamentam e repudiam as expressões contidas numa crónica inserida neste jornal e que muito feriram a sensibilidade dos seus leitores. Ao autor da referida crónica, chefe de redacção do “Mundo Desportivo”, único e total responsável pelo escrito que veio a público, foram aplicadas as sanções que o caso requeria.”
Deste modo, a paz podre da união Ibérica podia prosseguir os seus caminhos. Pelo lado que nos toca, esse caminho foi interrompido no dia 25 de Abril de 1974.
O relembrar desta história trouxe-lhe à memória, não tendo nada a ver com este episódio, um título de Carlos Pinhão publicado em “A Bola” e que provocou uma agitada polémica: “O jornalismo desportivo é o melhor
Jornalismo desportivo”. 
Terá que dar uma volta pelo sótão, tentar encontrar esse recorte e trazê-lo até aqui.

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Nota do editor: elementos recolhidos numa evocação feita pelo “Diário Popular” por ocasião dos 20 anos do 25 de Abril.
Ainda um pequeno “fait-divers”: Sabem quem era o guarda-redes suplente do Real Madrid nesse jogo com o Benfica? Júlio Iglesias! Esse mesmo, o cantante-machucador-de-corações…

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